#14 Educação pela coragem
Como o sol potiguar tem feito as ideias gota a gota escorrer pra dentro do peito
Tenho desconfiado das conclusões produzidas na minha cabeça. São tantos pensamentos que se contradizem que é difícil encontrar aí alguma lógica. Quando é que a gente inventou que o cérebro tem resposta pra tudo? Repara, ele serve para resolver problemas e criar problemas. Era o único jeito de lidar com a vida que nos devora com sua boca cheia de dentes. Daí essa ferramenta que analisa, reduz, destrincha e corta a complexidade em pedacinhos menores. Garantiu nossa sobrevivência, mas barriga cheia e roupa lavada, ele fica entediado e começa a trabalhar contra.
Eu sigo em Pipa, com a porta do tempo aberta às suas voltas. Aqui uma semana parece um ano e meio. Não propriamente pela quantidade de acontecimentos, mas pela intensidade em que se manifestam. Eu gosto da maneira como vento sopra pela praia, escondendo o calor que queima implacável. Esses dias vi golfinhos pulando abaixo de um céu de arco íris. Tenho medo das retinas explodirem pelo excesso de privilégio estético. A beleza quase indecente vai colando na pele das ideias, o sol potiguar amolece pensamentos.
Meu cérebro tem escorrido gota a gota pro meio do peito.
Um coração é depositado na balança e do outro lado uma pena. Eles precisam se equilibrar. Quanto pesa um coração-pena? Esse é o tribunal de Osíris, a morte no Antigo Egito. Uma amiga esses dias cismou de pensar sobre isso. Eu estou cismada também. Mas, com perdão aos egípcios, acho que não é preciso morrer pra ser réu nesse tribunal. Vocês já andaram por aí com o coração bem pesado? A gente curva as costas para carregar o aperto na caixa torácica. Não sei quanto fardo um coração precisa soltar pra atingir a leveza e bater despido de medos.
Daí a palavra coragem - o atributo dos que se movem com coração aberto.
Eu tenho me permitido ser cubo de gelo derretendo do amanhecer ao entardecer. Chapadão. Praia das Tartarugas. Praia do Amor. Lagoa de Timbau. Dunas de Cacimbinha. Cada canto vai grudando na gente, fazendo promessas de uma vida simples e feliz. Uma meia verdade, que compramos no cartão de débito. Cada um se ilude como quer, onde houver beleza gratuita e indolor, se eu puder, lá estarei.
Pra completar, vieram as pessoas de amizade fácil, talvez também amolecidas pela geografia, esparramadas na areia com sorriso no rosto. Quando elas forem embora, quando eu for, a suspensão do tempo de Pipa vai desabar como um céu pesado sobre nossas cabeças? Talvez.
Na Antiguidade o coração era o símbolo centro da vontade e da inteligência. Não era a cabeça, quase sempre vacilante ventania acima de pescoços sem firmeza. Eu prefiro imaginar um caminho entre os dois. Uma estrada bonita, sem cruzamento, do topo da cabeça ao centro do coração. Linha reta, vontade pura, a paz das decisões tomadas com clareza, o conforto de estar bem na própria pele, a convicção nos próprios passos, mesmo quando o tropeço vem. É raro, mas que escolha temos?
É assim que eu sussurro palavras de amor no pé do ouvido da vida. Ela do outro lado, se deixa amansar, recolhe as garras e vem de mansinho, pra variar um pouco. No escuro, guarda abaixada, ela encontra o caminho aberto para o centro do cansado coração andarilho. Então, a lógica se derrete sem sentido.